Eu tenho essa urgência de viver, essa pressa de qualquer coisa que ultrapasse a inércia. É isso que me faz jogar dados ao acaso e me atirar de carros em movimento, é por isso que ando longe de viadutos. Meu suicídio diário não é uma forma de morrer. É uma tentativa desesperada de encontrar essa vida, testar minha capacidade de quase ir e voltar, descobrir se eu mereço estar aqui e se existe mesmo um deus. Afinal, ele concorda ou não com a minha maneira de encarar as coisas? Por que não me castiga por ser tão estupidamente desapegada? É minha necessidade de viver que me mata.
Tenho a impressão de ter atingido o auge da minha maturidade, mas não tenho espaço físico ou moral pra existir nessa condição. Estou pronta pra largar tudo pra trás todos os dias, mas algo finca meus pés no chão sem eviso prévio. É preciso ser coerente pra ser aceito, mas como não me contradizer tentando achar um equilíbrio? Como não ser um pouco louca nesse mundo tão absurdo?
Não adianta me oferecer o discurso de faculdade-emprego-família como verdade absoluta. A gente não aprende a viver sentado numa carteira de colégio. Não é a fórmula de Pitágoras ou a definição de pronome oblíquo que vai fazer com que eu seja mais ou menos inteligente. Saber organizar informações burocráticas em série e ser programado roboticamente não faz de ninguém um ser humano repleto. Isso tudo só rende uma possível colocação relevante numa prova de vestibular, um êxtase momentâneo. A vida se aprende nas perdas. É perdendo a liberdade que a gente descobre que não se encaixa, é perdendo alguém que a gente descobre que não vale a pena lutar por futilidades, é perdendo o apoio que a gente descobre que o resto do mundo não para só porque nosso mundo parou. A gente vai aprendendo a viver assim, na marra, no grito, no sufoco, no impulso. Eu quis mudar o mundo, quis ser brilhante, quis ser reconhecida. Hoje eu quero bem pouco e prefiro me concentrar no agora do que planejar um futuro incerto. Eu me libertei da culpa e dei de cara com algo novo: não me encaixo, e aceito. Não é justo perder as asas no momento em que se descobre tê-las. É preciso poder voar, é preciso ter uma visão estratégica das janelas. Ver o sol e não poder tê-lo é absurdo.
Então eu deixo algumas coisas passarem incompletas porque tenho consciência de que certas palavras ainda não têm tradução. Por mais que eu grite, vai ter quem não entenda, não aceite. O que eu não aceito é ter nascido num mundo tão grande e conhecer só uma pequena parte. Vou voar. Quem conseguir compreender, que me acompanhe.
Como vim parar neste mundo estranho onde sentimento é uma coisa que se deve evitar, esconder e negar? Como podem tentar me ensinar que amor é crime quando eu vim ensinar que amor é tudo? Por que é que fui cair justo aqui, nesse lugar que fede hipocrisia, grita solidão e ecoa vazio, onde ninguém resiste à qualquer sinal de dependência emocional, por mais pura que seja? Pra que negar, se omitir, calar? Amar é bonito, é leve. Todo mundo ama, todo mundo esconde. Mas se devo esconder, por que sentir?
Sentimentos nasceram para serem sentidos, não para serem escondidos debaixo da dor.
(Verônica H.)